Em 04/04/2022
Por
Alex Brito
A economia brasileira sempre viveu um relacionamento abusivo com a taxa de juros, estacionada, frequentemente, em patamares escorchantes. Contudo, entre agosto de 2020 a março de 2021, chegou ao patamar histórico e civilizatório de 1,9%, a propósito da crise provocada pelo coronavírus. Entretanto, não se conseguiu, com essa importante inflexão, mudar para uma trajetória, senão baixa, ao menos estruturalmente moderada. A razão não pode ser outra: a taxa de juros sempre foi um instrumento violento de opressão e de poder econômico que possibilitou a alavancagem financeira de grandes grupos e famílias que vivem de renda, principalmente pelos investimento na renda fixa, que, a propósito, não é tão fixa, já que os rendimentos ocorrem pelo retorno pago pela taxa de juros e pela variação, inversamente proporcional, do preço de face do título nas oscilações dessa taxa, de modo que o investidor ganha quer pela carregamento do título até o resgate, quer pela diferença do preço do título entre a compra e uma eventual venda.
Pelo menos, desde o início de 2017 assistíamos a uma trajetória de queda do nível dos juros que, historicamente, eram de dois dígitos, para uma “nova” fase presumivelmente de juros de um dígito, chegando a impressionantes 2% em 2021. É bom lembrar que dos anos dois mil para cá, as taxas se posicionaram entre 12% e 25%. Portanto, desde 2017, imaginava-se que estaríamos numa fase da vida brasileira de relativa recuperação econômica e de baixos custos. Ledo engano!! Logo, logo essa inusitada inflexão da taxa de juros não passaria de um mero episódio incomum, com a volta dos juros altos (e de dois dígitos) se impondo como um fenômeno regular.
Ainda que seja assim, é preciso considerar quais circunstâncias políticas acomodaram esse rápido ensaio, que poderia ter favorecido a migração para uma economia de juros baixos. Nesse sentido, talvez, dois aspectos soltem aos olhos: o primeiro diz respeito à política de desestatização. Muito provavelmente, o processo de privatização, caso tivesse êxito, exigiria uma conjuntura de juro baixo para tocar os investimentos necessários e financiar o capital de giro das empresas. Evidentemente, o processo de desestatização não poderia ser possível sem condições de financiamento viáveis, certamente uma taxa de juros de dois dígitos não seria razoável. No entanto, a política de desestatização mostrou-se incapaz de vencer o “vento de proa”, correndo o sério risco de naufragar, enquanto permanece capenga. Certamente a manutenção de uma taxa de juros baixa, dependeria, principalmente, do sucesso da política de desestatização. É como se os investidores dissessem: deem-nos aquelas empresas que nos renderão maiores retornos e realocaremos nossos recursos no capital produtivo!
Por outro lado, apostava-se também no desenvolvimento do mercado de renda variável, terreno das grandes corporações, não por isso menos incerto e traiçoeiro. Mas caso a política de desestatização viesse de “vento em popa” era natural que o IBOVESPA antecipasse as eufóricas expectativas de compra das grandes estatais. De fato, o processo de privatização levaria a uma gradual elevação da Bolsa de Valores e a um descolamento gradativo da renda fixa e das aplicações na dívida pública, o porto seguro dos investidores brasileiros. Bom, mas o que aconteceu?
Não bastasse a política atabalhoada de privatização, tivemos uma crise sanitária inusitada com choques violentos sobre a economia, que contribuíram para interromper qualquer possível alta no mercado de ações. O cenário que estava se consolidando era o pior dos mundos para os investidores: juros baixos (Taxa Selic a 1,9%) e Bolsa de Valores derretendo! Ou seja, o retorno garantido pelos títulos públicos era inimaginavelmente baixo, o que era extremamente grave já que não haveria privatizações. Além disso, a oportunidade de retorno da renda variável era incerta, arriscada, quer seja pela capenga política de privatização, quer seja pelas vicissitudes decorrentes da crise do coronavírus. O que fazer?
Era necessário restaurar a referência histórica que alavancou o patrimônio financeiro das grandes famílias e grupos rentistas da sociedade brasileira por gerações! Afinal, essa sociedade sempre foi conservadora. E como tal, não admitiria riscos aos negócios de uma vida. Não por acaso, portanto, assistimos a volta das altas taxas de juros. Como a aposta do salto retumbante da renda variável não vingou, e dado o fracasso da política de desestatização, era necessário acender a luz do farol que iluminou e guiou historicamente o patrimônio financeiro daquelas famílias, voltando à velha e “tão nossa” política de juros alto. Sim, a taxa Selic, a dívida pública e, particularmente, o Tesouro Direto (renda fixa), voltam a ser o porto seguro dos rentistas, a despeito dos já conhecidos custos para a economia brasileira
Como diz o adágio popular, imortalizado pelo sambista “malandro” Bezerra da Silva “… se a farinha é pouca, meu pirão primeiro…”. Mas será que Lord Keynes estaria “errado”??? Será que não existe espaço para inventividade, para o “animal spirit” ou para um comportamento revolucionário à procura de oportunidades rentáveis?! Talvez não para uma sociedade conservadora, numa conjuntura de incertezas.
Publicado originalmente no Jornal O Imparcial – Cad. Opinião, pág. 4, São Luís, segunda-feira, 4 de abril de fevereiro de 2022. https://banca.oimparcial.com.br/app/uploads/edicoes/2022/oimparcial-36446.orig.pdf