Os Estados conseguem afetar a qualidade de vida do seu povo?

Em 05/12/2021

Por

Alex Brito

No último dia 26, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) lançou um novo indicador, o Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV), elaborado a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), relativa ao período de 2017 e 2018. Para classificar a qualidade de vida, o índice avaliou 50 indicadores em seis dimensões: moradia, serviços de utilidade pública, alimentação e saúde, educação, acesso aos serviços financeiros e padrão de vida e lazer e transporte. Esse índice varia de 0 a 1, e quanto mais perto de 1, maior é a perda de qualidade de vida, e, particularmente, o Maranhão aparece nas piores classificações possíveis.

Dois aspectos são importantes considerar: o que de fato o índice quer mostrar e o debate sobre a capacidade do gasto público de governos subnacionais, como os estados da federação, em afetar o bem-estar de seu povo. No tocante ao primeiro, cabe enfatizar que não se trata de um indicador com recorte longitudinal, portanto não é possível avaliar se o Maranhão piorou ou melhorou ao longo da década que se encerrou em 2017/2018. Para fazê-lo, o IBGE deveria contrastar os resultados com a POF de 2008/2009, o que não foi feito. Portanto o indicador revela apenas um momento no tempo, não sendo possível afirmar nada sobre sua dinâmica. Outro aspecto importante é que o indicador considera variáveis não-monetárias, logo o valor da renda não entra no cômputo das estatísticas, pelo menos não diretamente. Assim, nem os mais ricos terão índice 0 (nenhuma perda de qualidade) nem os mais pobres ficarão com taxa 1 (maior nível de perda). O que sugere que a qualidade de vida está associada, também, a aspectos que não estão diretamente ligados à renda, como o lugar em que se mora, o nível de violência ou a importância que as pessoas dedicam ao lazer.

Mas, então, indo ao que mais importa: em que medida os Estados podem afetar a qualidade de vida de sua comunidade? A resposta tem duas dimensões: a política macroeconômica e o desenho político-institucional vigente. Quanto à primeira, é importante considerar que a estabilização macroeconômica, o emprego e a distribuição de renda estão associados à política econômica do governo federal, o que sugere que governos subnacionais tem pouca eficiência na implementação de políticas que visem reduzir esses problemas, principalmente porque o elevado grau de abertura das economias nacionais mitiga qualquer tentativa anticíclica adotada por qualquer governo subnacional.

Portanto, muito dificilmente políticas expansionistas dos estados poderiam reverter os impactos da política monetária de elevação dos juros ou da política fiscal de austeridade vigente, o que aliás vem imprimindo uma trajetória semelhante (diferentes nos níveis) a todos os estados na maioria dos indicadores socioeconômicos. Mas até 2015, pelo menos, a união foi responsável pela melhora sensível dos indicadores socioeconômicos. Exemplo importante pode ser dado: o primeiro diz respeito à histórica redução da desigualdade renda no país, tributário de políticas públicas (como o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada) e mudanças regulatórias (como a Política de Valorização do Salário-Mínimo) sob as quais os Estados não têm nenhuma jurisdição. E, mais recentemente, no ano passado, a redução, temporária, da pobreza a patamares não vistos em 40 anos, com a ascensão do auxílio emergencial de R$600,00.

Evidentemente, apenas níveis elevados de despesa pública estadual poderiam estar associados a altos níveis de renda e baixos graus de pobreza. Nesse sentido, o que definiria a responsabilidade dos governos subnacionais seria a capacidade fiscal. E é a definição dessa capacidade que constitui a segunda dimensão supracitada. Alguns analistas apontam que a trajetória dos últimos dois governos federais de longa duração, PSDB e PT, impingiu uma estratégia de nacionalização de políticas sociais abrangentes diretamente vinculadas a municípios e beneficiários, criando um desenho político-institucional de competências residuais aos estados, face a baixa predominância das siglas do representante do executivo nos governos estaduais. Além disso, desde os anos 60 o arcabouço institucional vem imprimindo limitações fiscais aos estados. Houve um processo de diminuição relativa da participação dos estados na divisão federativa da receita tributária disponível: em 1960 detinham 34,1% da receita tributária disponível; em 1990, 27,6%; e em 2017, apenas 25,2%. No mesmo período, os municípios saíram de 6,4% em 1960 para 19,7% em 2017, enquanto a União passou de 59,5% para 55,1%. Além disso, outro aspecto importante do arranjo político-institucional diz respeito ao congelamento do índice de rateio do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal (FPE) que criou desequilíbrios intrarregionais, já que as transferências não foram sensíveis ao desemprenho econômico dos estados; além, obviamente da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs aos estados níveis de despesa que comprometeram sua capacidade de gasto e de planejamento da política fiscal estadual.

Portanto, há importantes limitações político-institucionais, fiscais e macroeconômicas que impedem que governos estaduais afetem indicadores socioeconômicos importantes, como pobreza, emprego e desigualdade. O mais adequado para avaliar a qualidade de vida das pessoas com base no esforço fiscal dos estados seria considerar, ao invés de indicadores abrangentes, alguns mais específicos ligados diretamente à saúde, educação, saneamento e mortalidade.

Publicado originalmente no Jornal O Imparcial – Cad. Opinião, pág. 5, São Luís, sábado e domingo, 4 e 5 de dezembro de 2021. https://banca.oimparcial.com.br/oimparcial/2021/12/47249/

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