Em 03/04/2021
Por
Alex Brito
J. Tiago Matos
A Proposta de Emenda à Constituição nº 186, popularmente conhecida como PEC Emergencial, estabelece medidas de ajuste fiscal para todos os entes federativos, entre as quais a viabilidade do acionamento automático dos “gatilhos” do teto de gastos, criados pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016 (EC 95/16), no âmbito da União. Em nível subnacional, implementa instrumentos análogos aos gatilhos, que facultam a adoção de estratégias para reduzir os desequilíbrios fiscais sempre que as despesas atingirem níveis previamente determinados.
Em geral, a nova regra fiscal estabelece para a União que as despesas obrigatórias não podem ultrapassar o limite de 95% das despesas totais sujeitas ao teto de gastos; e para os entes subnacionais o limite das despesas é de 95% da receita corrente. O desrespeito a esses limites instigaria o acionamento automático das medidas de ajustes fiscais, os chamados “gatilhos fiscais”.
Especificamente sobre o acionamento dos gatilhos, duas questões são importantes responder. Primeiro, por que a PEC Emergencial “viabiliza” o acionamento automático dos “gatilhos” se desde a EC 95/16 já havia essa previsão? De fato, em 2016 a referida Emenda já disponibilizava a grande maioria das medidas de ajustes, em caso de ultrapassagem das metas de despesas estabelecidas. Contudo, o desenho da norma fiscal provocava certa ambiguidade devido à redação do texto informar que as referidas metas deveriam vir demonstradas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), ou seja, como a PLOA já trazia a demonstração individualizada desses limites, o seu eventual descumprimento poderia suscitar crime de responsabilidade aos gestores. O fato é que os tais gatilhos nunca foram acionados em função da incerteza jurídica trazida pela redação da EC 95/16. A PEC Emergencial, portanto, além de qualquer outro aspecto, resolve de vez o problema da insegurança jurídica gerada pelo regramento fiscal anterior.
Uma segunda questão diz respeito aos efeitos imediatos da PEC Emergencial sobre a situação fiscal da união, dos estados e municípios. No tocante ao primeiro, está pacificado que a nova regra fiscal não traz impactos de curto prazo, sobretudo porque o limite de 95% das despesas totais só será atingido, muito provavelmente, em 2025. Contudo, para os estados e municípios a realidade é bem distinta, em função de grande parte desses entes já estar, de uma forma ou de outra, dentro do limite de comprometimento de 95% da receita corrente. Considerando, por exemplo, o indicador COPAG da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), 14 estados já se enquadrariam nessa situação, desde 2019. Por outro lado, se utilizássemos o percentual alternativo de comprometimento de mais de 85% das receitas correntes (outro critério facultado a estados e municípios para implementar os gatilhos fiscais, sujeito a anuência das instâncias legislativas) teríamos, em 2019, apenas três estados com percentual inferior aos 85%, o que demonstra que a PEC Emergencial afeta imediatamente a dimensão federativa das finanças públicas.
Especificamente para o Maranhão, por que essa proposta é preocupante? Como se sabe, devido ao baixo nível de desenvolvimento dos mercados no Maranhão, o setor público assume o papel de “empregador de última instância”, sendo responsável por boa parte da geração de renda proveniente do trabalho maranhense. De certa forma, uma contenção das despesas obrigatórias com remunerações afetaria imediatamente o nível de atividade econômica, alimentando a recessão econômica e blindando a ação anticíclica que o setor público poderia desempenhar.
Segundo a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), 76% dos municípios maranhenses apresentavam uma situação crítica em relação a gestão fiscal e por outro lado, apenas 1,3% mostraram um grau de qualidade razoável no controle das contas públicas. Observando a relação entre despesa corrente (DC) e receita corrente (RC), a partir dos dados das Contas Anuais de 2019 disponibilizados pela STN, haveria, numa estimativa inicial, 96 municípios atingidos pelos efeitos da PEC Emergencial, cerca de 44,2%. Em outras palavras, quase metade dos governos municipais teriam sua capacidade de geração de emprego e renda limitada, à exceção da capital, cuja relação DC/RC equivalente a 73,8%, a mantem numa situação bastante confortável na atual conjuntura.
Preliminarmente, dois aspectos precisam ser ponderados: primeiro, a gestão das contas públicas pela união não é igual a administração do orçamento doméstico, como muitos, didaticamente, exemplificam; tampouco há similaridade entre o controle das contas públicas da União e dos entes subnacionais, principalmente porque o primeiro tem, relativamente, uma ampla diversidade de receitas, e o segundo não tem; além disso, cabe a União o monopólio da moeda, muito diferente, das finanças estaduais.
Em segundo lugar, não faz sentido, numa situação de calamidade pública, onde os entes subnacionais já estão restringidos pela volatilidade da receita continuar insistindo num ajuste fiscal pelo lado das despesas! Isso nada tem a ver com o importante debate sobre a qualidade do gasto, mas é necessário lembrar que a Economia não é Contabilidade, onde para se pôr é necessário tirar de algum lugar…
Publicado originalmente no Jornal O Imparcial – Caderno Opinião, pág. 5, São Luís, domingo, 3 de abril de 2021.