Sobre a política de preços da PETROBRAS

Em 08/03/2021

Por

Alex Brito

Em menos de 60 dias tivemos cinco reajustes de preço nos combustíveis, o que favoreceu uma alta acumulada de 41,5% no preço da gasolina e de 34,1% no diesel, apenas neste ano. As razões parecem óbvias: a escalada da taxa de câmbio, que desde 2018 acumula alta de quase 70%, e do preço das commodities (em particular o barril do petróleo), cuja variação no ano passado foi de 163% (desde que atingiu o “fundo do poço”, ao ser cotado em US$19,54 em abril). Esses fatos reacenderam um velho debate, o de qual deve ser a orientação da política de preços da player nacional.

Pelo menos desde 2003, os preços praticados no mercado de combustíveis são livres, o que possibilita o alinhamento sistemático às variações que ocorrem no mercado exterior. Contudo, esse alinhamento começou, de fato, em 2016, a partir da implementação da Política de Paridade Internacional (PPI), que previa, além da equiparação externa, um ajuste de segurança, dadas as flutuações na taxa de câmbio e, a partir de 2017, contou, também, com a zeragem da defasagem do repasse dessas flutuações ao preço na bomba do combustível, com o reajuste diário.

Essa política ocorreu logo após a derrocada do programa de modicidade tarifária e de preços administrados, implementado entre 2011 e 2014, responsável pela queda do valor de mercado da PETROBRAS (derrubando o preço das ações em 2015 ao patamar de 2003). A tentativa era controlar os preços estratégicos (combustível e energia) para impedir uma escalada inflacionária, o que de fato não aconteceu, mas não foi suficiente para impedir que a inflação chegasse aos dois dígitos em 2015.

Esse período provocou distorções. A pretexto da política monetária, a PETROBRAS amargou grandes prejuízos, e não foi somente para os acionistas: a política de manutenção de preços artificialmente baixos foi responsável, pelo menos, pelo sucateamento do programa do biocombustível, que reduzia as pressões sobre a demanda de gasolina e pela obstrução do programa de expansão do refino do petróleo (seja porque os subsídios criavam barreiras à entrada ao investimento privado ou mesmo por que inviabilizava o financiamento dos projetos de infraestrutura da própria empresa).

Contudo, a implementação, posterior, do PPI também provocou distorções, desencadeando celeridade nos reajustes do preço dos combustíveis, minando a previsibilidade, o planejamento e provocando convulsões sociais. Para efeito de comparação, basta observar que de 2017 até o momento houve mais de 500 reajustes (somando as alterações no preço da gasolina e diesel) e entre 2003 e 2015, houve apenas 28 modificações na cotação desses derivados.

Curioso, e pouco observado, é que de 2003 a 2010 (onde também não havia o reajuste diário ou regular dos preços) foi o período em que a empresa galgou as maiores taxas de valorização de mercado dos últimos 18 anos! O que refletiu no aumento de mais de 1000% do valor da empresa, num contexto de ascensão das cotações das commodities internacionais, garantindo, portanto, confortáveis dividendos aos acionistas.  

Na verdade, não se trata de discutir se a política de precificação dos derivados do petróleo deve ou não seguir o alinhamento ao mercado internacional. Acredito que quanto a isso não se deve ter dúvidas, mas o que temos que discutir é a defasagem com que é feito esse alinhamento (Diário? Quinzenal? Mensal? Trimestral? Semestral?).

Uma política de curta defasagem (com reajustes regulares, como a vigente) acarreta fortes distorções sobre a economia, em função de algumas razões estruturais. Em primeiro lugar, esse tipo de política ignora o peso do modal logístico de transporte que é eminentemente rodoviário, o que exige uma demanda de combustíveis fósseis proporcionalmente maior, em relação as outras economias que dispõe de outros modais. Em segundo lugar, é importante ressaltar que o alinhamento sistemático, com defasagem nula ou curta, tem forte assimetria no repasse da volatilidade ao longo da cadeira produtiva, o que significa, na prática, que aumentos de preços na refinaria são geralmente superestimados e quedas tem impacto reduzido na ponta da cadeia (houve situações em que o preço-médio praticado pela PETROBRAS chegou a cair 20%, enquanto nos postos refletiu apenas 3%). Em terceiro lugar, a PETROBRAS tem o monopólio do refino. O que isso significa? Se houvesse mais de um player nesse seguimento, poderia ser possível o amortecimento dos impactos no preço pela busca da manutenção do market share, como não há, torna-se difícil atenuar essas flutuações.

Além disso, é importante lembrar que o mercado de petróleo é caracterizado por alta volatilidade e imprevisibilidade. As experiências internacionais que têm preços totalmente liberalizados e de curta defasagem, como USA e Canadá, tem inflação historicamente estável e baixa volatilidade de suas moedas, diferentemente de economias como a nossa, onde o preço dos combustíveis afeta diretamente a inflação e cuja moeda doméstica sofre ciclicamente as oscilações internacionais (só no ano passado, o Real foi uma das moedas que mais se desvalorizaram frente ao dólar, com variação de mais de 40%).

Por fim, não há uma política tributária eficiente que suavize ou amorteça os impactos das oscilações no preço dos combustíveis por meio de um fundo de estabilização, como há em muitas experiências de países emergentes, como o Chile, por exemplo. Evidentemente que o sucesso de políticas de estabilização depende do ciclo de volatilidade dos preços e do ônus fiscal que acarreta.

O importante é ter claro três aspectos: a) o alinhamento ao mercado internacional não sugere que os reajustes devam ser de curtíssimo prazo; b) defasagens longas não provocam necessariamente perda de valor da empresa (a história recente até 2010 é uma evidência disso); c) o interesse do acionista é tão legítimo quanto a utilidade pública da PETROBRAS.

Publicado no Jornal O Imparcial – Caderno Opinião, pág. 4, São Luís, segunda-feira, 8 de março de 2021.

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