A economia é um meio, não um fim

Em 03/01/2021

Por

Alex Brito

É sempre bom lembrar que a economia é um meio para se atingir um determinado fim. Não é, e não pode ser, um fim em si mesma. Mas a excessiva preocupação com o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) ou com a inflação, são dois grandes exemplos da total ausência de preocupação republicana com o destino da sociedade, por mais estranho e paradoxal que isso pareça. Explicarei a partir de dois exemplos. O primeiro é que o debate sobre a inflação no Brasil passou a ser uma discussão sobre métrica, sobre o núcleo e seus intervalos. Passando-se a defini-la em função do que ocorre em torno da meta de inflação. A partir daí, uma inflação alta seria aquela que ultrapassa o centro da meta, ignorando, completamente, se esse nível provocaria choques adversos sobre a atividade econômica.

No entanto, para além da métrica do debate sobre inflação, é preciso considerar qual o patamar em que o nível de preço efetivo degrada a eficiência produtiva da economia brasileira. Essa questão não se resolve evitando que a inflação ultrapasse o intervalo superior da meta, ou fazendo-a convergir para o centro. As experiências das economias modernas, nos anos 90, indicaram, por exemplo, que os países suportaram taxas de inflação de 5% a 20% ao ano sem comprometer sua eficiência produtiva. Trabalhos como do Professor Robert Barro (Review of Federal Reserve Bank of St Louis, 1996, vol. 78, nr.3), proeminente economista defensor do livre mercado, sugeriu que a inflação moderada, de 10% a 20%, tem um baixo impacto negativo sobre o crescimento econômico e que até próximo de 10% a inflação não tem nenhum efeito! Há outros estudos que elevam o nível de quebra sobre o produto para o patamar de 20% e até mesmo 40% ao ano, como é o caso dos estudos de Michael Bruno e William Easterly (vale conferir os estudos no site do FMI).

A preocupação excessiva com o nível de preços, ignorando o ponto em que há, efetivamente, comprometimento com a estrutura produtiva tem implicações que não são triviais, como por exemplo, o imbróglio recente e instransponível de conciliar o teto dos gastos públicos (EC 95/16) e o atendimento urgente às necessidades impostas pela crise do coronavírus, no tocante à política de saúde pública e à política de assistência social, principalmente com o fim do auxílio emergencial.

Outro exemplo importante é o crescimento do PIB. Tomemos o caso do Maranhão. Entre 2002 e 2018, nosso Estado cresceu 3,8% a.a., acumulando mais de 80% de crescimento do produto, ocupando a 6ª posição relativa nesse indicador. Contudo, quando consideramos o essencial que é o gotejamento desse fluxo de riqueza anual sobre a capacidade das pessoas em mobilizar recursos, em comandar bens e serviços, não conseguimos observar nenhuma relação. Sim, é isso mesmo: o enorme fluxo de riqueza produzido anualmente é incapaz de mitigar as (ainda) condições miseráveis em que vivem a grande maioria dos maranhenses.

Se considerarmos a renda domiciliar per capta um bom indicador para aferir a capacidade individual de mobilizar recursos, veremos que o caso do Maranhão ainda é um desafio civilizatório, apesar do histórico de elevado crescimento econômico. Em 2012, a mediana do rendimento domiciliar per capta representava apenas 60% do salário-mínimo; patamar que veio caindo até chegar em 2018 representando somente 40% do salário-mínimo, ou seja, há dois anos, metade das pessoas que moravam num mesmo domicílio recebiam não mais que 40% do salário-mínimo daquele ano!

É importante lembrar que a riqueza de uma nação ou de um estado não se confunde com a riqueza individual dos seus cidadãos. Uma sociedade que não consegue gotejar o produto do trabalho das pessoas que o fizeram sobre elas mesmas, contribui para concentração dessa riqueza nas mãos de poucos. Portanto, a preocupação com o PIB não deveria ficar circunscrita à taxa do crescimento do produto, mas sim de distribui-lo ou, no melhor dos casos, de como redistribui-lo. Isso passa necessariamente por políticas pública! A propósito, a literatura especializada sobre o assunto não deixa dúvidas: a pobreza e a desigualdade de renda são mais sensíveis às intervenções de políticas públicas do que ao crescimento econômico!

O controle da inflação só faz sentido se impedir a destruição do poder de mobilizar recursos. O crescimento do PIB só importa se a riqueza produzida puder ser distribuída a todos que participam da sociedade, independentemente de sua efetiva contribuição econômica. Afinal, a vida digna é um direito inviolável e a Economia precisa e deve ser um meio para isso.

Publicado originalmente no Jornal O Imparcial, 03/01/2021.

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