Em 04/10/2020
Por
Alex Brito
A maior dificuldade para gestão pública municipal sem dúvida alguma é a restrição orçamentária imposta pela baixa capacidade de geração de recursos próprios. Portanto, o desafio para o próximo gestor de nossa cidade é saber como implementar mudanças e modificar o ritmo do que já vem sendo feito, com o dinheiro que temos. Não há dúvidas que a maior inovação que se pode querer é garantir direitos com a máxima celeridade possível, afinal a cidadania também tem pressa.
Talvez uma forma de mitigar os constrangimentos impostos pela dura realidade das finanças públicas municipais seja a cooperação intermunicipal para tratar dos problemas prementes comuns ao território contíguo das municipalidades. Sim, é necessário o compartilhamento de esforços que transcendem os limites municipais para enfrentar as dificuldades nossas de cada dia. E elas são enormes: os óbices na infraestrutura, na saúde, na educação, na segurança pública, e por aí vai.
Uma maneira de enfrentar o problema é organizar a região metropolitana a partir de consórcios intermunicipais para gerir a cidade e seu entorno. Como os consórcios demandam, por natureza, relações de cooperação, à medida que são produtos da vontade autônoma dos municípios, é possível que se constituam não apenas como instrumentos de políticas, mas, também, como uma política de se fazer políticas. Podem, assim, ser uma nova forma de se fazer a política, à medida que suscitam a colaboração na coprodução de suas ações, podendo fomentar processos efetivamente democráticos. No entanto, embora demandem cooperação, esta somente se consolida com efetiva participação.
A participação, além de cumprir um papel pedagógico e de controle é o elemento que enraíza as relações de cooperação, que se estabelecem pelo ato da vontade; em outras palavras, é a substância que fundamenta e origina estruturas organizacionais colaborativas ou de cooperação. Logo, uma política de consorciamento verdadeiramente democrática deverá ser, essencialmente, participativa. Assim os consórcios públicos só podem estabelecer um regime de cooperação na construção de políticas democráticas, se forem, por definição, participativos.
Além do regime de cooperação por ato de vontade, há alguns outros aspectos que potencializam os consórcios como capazes de promoverem a estruturação democrática das políticas públicas: os consórcios são iniciativas locais com grande capacidade de aderência ao território e às suas identidades locais; e, como já sabemos, o espaço local é o ambiente do aprendizado, onde o cidadão aprende a se autogovernar, é, portanto, o espaço, por excelência do aprendizado democrático.
Além disso, a gestão a partir do consorciamento intermunicipal pode, também, favorecer o alargamento do Estado, à medida em que pode ser percebida por algumas implicações que os consócios trazem à tona. Por exemplo: esses arranjos problematizam o protagonismo dos atores públicos e sociais nas políticas públicas de grande envergadura, como a política de saúde, de combate às desigualdades sociais, de transportes coletivo, de tratamento de resíduos sólidos, de desenvolvimento regional, entre outros, apontando que o protagonismo dos atores públicos federais pode ser relativizado, à medida que a participação dos consórcios em temas de grande envergadura permite que se redirecione o olhar para o papel dos entes municipais na produção ou desenvolvimento dessas políticas. Em outras palavras: os entes municipais, à medida que fomentam regimes de cooperação, para tratar das grandes questões públicas que atravessam o território, podem assumir o protagonismo na produção de políticas que reduzam as disparidades regionais.
Acreditamos, portanto, que os consórcios públicos intermunicipais podem inaugurar uma nova perspectiva de gestão pública, que reside na mudança nas relações entre os próprios entes públicos, modificando e ampliando o Estado, promovendo relações de reciprocidade baseadas em consenso, com a participação de atores civis e privados, ao invés de relações baseadas em hierarquias. Dessa forma, a relação de cooperação não tende a produzir um novo nível de governo, mas um espaço, ou uma outra maneira de relacionamento entre os entes públicos e privados, para compartilhar esforços na solução das grandes questões que afligem o cotidiano do cidadão.
Publicado originalmente no Jornal O Imparcial, 04/10/2020.