A Desigualdade de Renda ainda é invisível.

Em 02/08/2020

Por

Alex Brito

Jersiton T. P. Matos

Ao longo dos últimos quinze anos, criou-se um relativo consenso, a partir de pesquisas científicas e estudos técnicos (capitaneados principalmente pelo IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de que o Brasil, a partir dos amplos programas sociais, havia conseguido reduzir a desigualdade de renda no país. Os estudos e pesquisas, em sua grande maioria, fundamentaram-se, e ainda é assim, no principal survey de informações socioeconômicas e demográficas existente, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) e sua versão mais nova, a PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua). Mas será que essas pesquisas são adequadas para captar, corretamente, a disparidade de renda existente entre o topo e a base dos estratos de renda da sociedade, já que os dados são produzidos a partir de informações declaratórias domiciliares?

Bom, a partir de 2015, um grupo de pesquisadores da UNB – Universidade de Brasília, começou a investigar a desigualdade de renda no país. Dessa vez escolheram como fonte de dados, ao invés da PNAD, o banco de informações da Receita Federal. O resultado encontrado diverge das conclusões das pesquisas baseadas na PNAD: ao invés de queda, houve, pelo menos até 2012, relativa estabilidade da desigualdade de renda no país

A sensível diferença dos resultados não são triviais e tem implicações políticas e técnicas não desprezíveis. Primeiro, traz à tona que os governos da social democracia ou trabalhista, com um dos maiores volumes de gasto social, em mais de uma década, não conseguiram reduzir a desigualdade de renda que assola o tecido social brasileiro; no mais, conseguiram apenas contê-la, evitando a sua escalada. Em segundo lugar, expuseram a enorme limitação da PNAD em captar, adequadamente, a gritante concentração de renda no topo da pirâmide social, uma vez que as declarações domiciliares subestimam o que de fato ocorre no topo.

Uma maneira, meramente ilustrativa, de ver isso, mais de perto, é através da comparação entre os dois extremos da riqueza nacional, São Paulo (SP) e Maranhão (MA), a partir dos aportes de investimentos realizados na Bolsa de Valores (B3). Como era de se esperar, SP figura como o primeiro do ranking em valores aportado, mas o MA, apesar de ocupar as últimas posições no ranking de pobreza e desigualdade, está bem posicionado no ranking de valor aportado da B3, sendo o 19º em número de contas cadastradas e o 20º em posição (valor aplicado). Os valores aportados pelos investidores maranhenses representam cerca de 9 vezes o valor aportado por investidores de Roraima e Amapá, cerca de quase duas vezes o valor aportado pelos do Piauí; e é mais de duas vezes o que aportam os investidores de Rondônia, além de ser maior do que os valores investidos pelos cidadãos de Alagoas e Sergipe.

Mas não para por aí. Em valores absolutos, o valor aportado por SP representa 167 vezes o valor aportado pelo MA (o que também não é grande novidade, em se tratando de extremos). Mas na comparação relativa, ou seja, considerando o valor médio do aporte por investidor, observa-se que o aporte médio do investidor maranhense é apenas quatro vezes menor que o aporte médio do investidor paulista, ou seja a distância absoluta de 167 vezes que separa SP e MA no volume do investimento aportado é completamente relativizada quando tratamos do aporte médio por investidor, que é de apenas 4 vezes mais para SP.

O ilustrativo exemplo da enorme concentração de renda, que aproxima, São Paulo e Maranhão, quando observamos o aporte médio por investidor, denuncia a enorme desigualdade de renda, impossível de captação pela PNADC, ao mesmo tempo em que revela que estamos diante de uma abissal distância no acesso a oportunidades e direitos fundamentais básicos, principalmente aqui no Maranhão.

Talvez o desafio ainda mais difícil não seja formular soluções para os problemas estruturais visíveis que assolam a nossa sociedade cotidianamente, mas compreender, adequadamente, a dimensão dos aspectos da desigualdade de renda que ainda permanecem indetectáveis às pesquisas convencionais.

Publicado originalmente no Jornal O Imparcial, 02/08/2020.

Translate »