Complexidades do Lula 3

Inicia-se 2023 ainda sob a marca da dolorosa pandemia da covid-19, causadora de intensas atribulações para a humanidade desde 2020. Somente no Brasil, mais de 693 mil pessoas morreram pela doença (no mundo foram cerca de 6,6 milhões), e, nos últimos 30 dias, a tendência de óbitos é de alta no país. Mesmo após a vacinação, que fez declinar efetivamente os falecimentos e suavizou a gravidade da doença, o cenário permanece indeterminado, com ciclos mais ou menos agudos, conjuntura essa que gera um ambiente de incertezas em variadas dimensões, especialmente na econômica e na política.

É nessa aura, que abarca outros elementos de volubilidade, que Lula assume o seu terceiro mandato presidencial, em um contexto muito diferente daqueles dos dois primeiros. Desse modo, é oportuno examinar fatores que podem gerar instabilidades ao longo da gestão Lula 3. Na economia, menciona-se, inicialmente, a inflação — que vinha subindo no início do ano. Todavia Bolsonaro, de olho nas eleições, viabilizou isenções de tributos federais, e até estaduais, que incidem sobre os combustíveis e a energia elétrica (itens que têm grande impacto no cálculo inflacionário) e o índice baixou — o último Boletim Focus do Banco Central prevê que a inflação fique em 5,64% neste ano. Entretanto o próximo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que essas suspensões de impostos serão encerradas em 2023. Tal medida elevará preços, o que obrigará o BC a permanecer com a taxa básica de juros, a Selic, no alto patamar vigente, de 13,75% ao ano, circunstância que encarece empréstimos e financiamentos, dificulta a atividade econômica e a geração de emprego e renda, além de jogar pressão sobre o novo governante.  

Associado ao tema inflacionário, os estados perderam, só no terceiro trimestre, R$ 12,13 bilhões de suas receitas de ICMS (o imposto mais importante para eles), em virtude das isenções (dados da IFI/Senado). Para reverter essas diminuições, os estados preparam rodadas de aumento de ICMS — que vão gerar mais inflação — e esperam que o futuro mandatário compense as quedas na arrecadação — o que abalaria o orçamento da União. Nesse aspecto, sobre as contas públicas federais, o Comitê de Política Monetária do BC alertou, em sua última reunião, acerca das hesitações relacionadas à política fiscal do governo subsequente. Impasses esses que ficaram mais evidentes com a aprovação da “PEC da Transição”, que autorizou gastos extras de mais R$ 168 bilhões, e com as dúvidas sobre a nova regra fiscal que substituirá o Teto de Gastos (que limita o incremento das despesas públicas à inflação do ano anterior).

O crescimento do PIB (soma dos bens e serviços produzidos) vem perdendo dinamismo, uma vez que, no terceiro trimestre, foi de apenas 0,4% — abaixo das expectativas do mercado — e deve fechar o ano em 3,04% (Focus/BC). O problema é que a expansão de 2022 só será possível em razão dos robustos estímulos financeiros concedidos por Bolsonaro, que, no ano eleitoral envolveram saques de FGTS, aumento no Auxílio Brasil, ampliação de crédito e empréstimos consignados. Essas medidas não estarão disponíveis no próximo ano, tanto que a previsão de avanço do PIB para 2023 é de menos de 1% (Focus/BC). Em relação ao emprego, os mais recentes números do Caged (Ministério do Trabalho) apontam criação de postos de trabalho (135 mil em novembro), e dados da Pnad Contínua (IBGE) indicam que o desemprego de outubro (8,3%) é o menor desde 2014. A preocupação é que o ritmo de abertura de vagas de trabalho tem diminuído drasticamente, e o emprego informal (sem carteira assinada) é recorde, o que sugere fragilidades no mercado de trabalho para os meses vindouros.

O cenário externo é extremamente intricado, com os principais parceiros comerciais brasileiros sofrendo agruras — o que fatalmente reduzirá nosso crescimento. A China passa por forte redução no seu desempenho econômico (que foi de 8% por décadas e deve ficar em 2,8% neste ano, diz o Banco Mundial), enfrenta incertezas políticas e sanitárias, com o processo de reabertura, após a supressão da regra de “Covid Zero”, além de seu estupendo mercado imobiliário angariar desconfiança internacional quanto à solvência de gigantes do setor. Nos EUA, com a vigorosa expansão do PIB, os juros internos devem continuar a subir, para domar a carestia, o que contrairá sua atividade econômica e, no Brasil, encarecerá os produtos importados e elevará a nossa inflação. A Europa vive período de disparada dos preços, juros nas alturas, economia em queda, crise energética, sem contar outras interrogações advindas da guerra provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

Some-se a essas dificuldades um ambiente político hostil — depois da eleição presidencial mais acirrada da história e com uma oposição que será forte, notadamente no Senado. Nesse âmbito, a “lua de mel” entre a sociedade e o novo governo promete ser brevíssima, com pouca tolerância para erros de gestão ou delitos éticos (dezenas de milhões não esqueceram o “Mensalão” e o “Petrolão”). É essa nação, repleta de embaraços, que Lula vai dirigir pela terceira vez. Não terá uma “herança maldita”, assim como não teve em 2003, quando o petista recebeu um país que tinha passado por um conjunto de reformas estruturantes (contestadas então pelo PT) e que foram determinantes para o crescimento dos anos seguintes. Porém, desta vez, são mais severas e profundas as adversidades, tanto no plano interno, com o absurdo esgarçamento de relações pessoais (quem se lembra agora do “nós contra eles”?), quanto no externo, particularmente, por um mundo confuso, que vai crescer pouco nos anos posteriores.

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