Em 05/09/2021
Por
Alex Brito
Todos nós sabemos que os choques adversos provocados no mercado internacional de comodities e amplificados pela instabilidade do câmbio tem provocado, graças a particular política de preços da PETROBRAS, sucessivos reajustes de preços dos combustíveis. Mas dois aspectos importantes têm sido deixados de lado.
O primeiro e, talvez mais importante, é que a consequência dessa inflação não é apenas a perda real dos salários por si só, argumento recorrente usado pelos economistas, mas o conflito distributivo que ela gera. Explico: todos os agentes econômicos relevantes que podem decidir e formar preços já o fizeram. Essa elevação é consequência das expectativas formadas quanto a incerteza do amanhã. Em situações como essa, os agentes relevantes defendem sua receita e sua renda elevando o preço dos seus bens e serviços hoje. Evidentemente, ninguém irá “pagar para ver” o que acontecerá amanhã, o ajuste sobre os preços começa “no hoje”, “no agora”. O problema é que para maioria dos demais agentes, que não decidem e não formam preços, não há muito o que fazer. O resultado será um brutal conflito distributivo, cuja dimensão se manifestará mais à frente, por meio de manifestações, greves, etc. principalmente dos trabalhadores que exigirão sua participação na renda apropriada pelos que formam e decidem preços. Esse sim, é o problema que nos defrontaremos mais à frente.
Mas há, também, um outro aspecto negligenciado. Afinal a inflação oficial está realmente alta? A noção do nível da inflação é decorrente do modelo de política econômica adotado desde 1999, o chamado Regime de Metas de Inflação (RMI). Um dos problemas desse modelo é que ele “criou” um estado de “pânico” generalizado junto aos agentes econômicos e à grande mídia especializada, todas as vezes que a inflação “desprende-se” do chamado centro da meta. Um rápido olhar para trás mostra-nos que desde a implementação do RMI, raríssimas vezes a inflação efetiva ultrapassou o chamado limite superior da meta estabelecida.
Além disso, já tivemos, como é do conhecimento do público especializado, metas bem mais altas com limite superior na casa dos 8% e 10%, bem como, já chegamos a ultrapassar o centro da meta em mais de 8%, quando o RMI exigia uma tolerância de apenas 2%, como foi o caso em 2002, e, nem por isso, o “mundo acabou”, a economia entrou em recessão, o desemprego aumentou ou qualquer coisa parecida.
O debate sobre a inflação no Brasil passou a ser uma discussão sobre métrica, sobre o núcleo e seus limites, superior e inferior. Passando-se a considerar alta a inflação efetiva que ultrapassa o centro da meta. Uma conclusão no mínimo esdrúxula, uma vez que não se consideram os impactos da inflação e suas causas.
Para se saber se uma inflação está alta é preciso, para além da métrica do debate sobre inflação, considerar qual o patamar em que a inflação efetiva degrada a eficiência produtiva da economia. Essa questão não se resolve evitando que a inflação ultrapasse a banda superior da meta, ou fazendo-a convergir para o centro. As experiências das economias modernas indicam que os países suportaram nos anos 90 taxas de inflação de 5% a 20% ao ano sem comprometer sua eficiência produtiva. Economistas, como o Professor Robert Barro, proeminente economista defensor do livre mercado, sugeriu que a inflação moderada, de 10% a 20%, tem um baixo impacto negativo sobre o crescimento econômico e que até próximo de 10% a inflação não tem nenhum efeito. Há outros estudos que elevam o nível de quebra sobre o produto para o patamar de 20% e até mesmo 40% ao ano. Essas questões são importantes porque qualifica o que podemos chamar de alta do nível de preços. Uma inflação alta não está relacionada com sua distância do centro da meta de inflação, mas com o ponto de quebra a partir do qual começa a afetar negativamente o produto e o emprego.
A superficialidade do debate sobre a inflação no Brasil não se resume apenas ao discurso da métrica, ou da postura conservadora de considerar a inflação no Brasil algo fora do controle, sem perquirir as razões históricas, a natureza do contexto de inflação e os reais impactos sobre a economia. A superficialidade reside também na incapacidade do discurso recente de sopesar os efeitos políticos das decisões da política monetária, não apenas quanto à imagem da autoridade monetária ou da influência política sobre a condução da política monetária, mas, sobretudo quanto aos efeitos que essa política produz nas correlações de forças dentro do bloco de poder hegemônico no Estado, e, portanto, sobre a disputa pela hegemonia.
É preciso ter clareza que a política monetária está sujeita a pressões decorrentes das estratégicas e interesses de poderosos stakeholders que são diretamente afetados pela orientação dessa política. Portanto, não se pode perder de vista que a política monetária tem um impacto muito maior que a variação das estatísticas dos agregados macroeconômicos. Seus efeitos reverberam sobre a vida.
Publicado originalmente no Jornal O Imparcial em 05/09/2021