Lições da Crise de 2008 para enfrentar a do COVID-19

Em 05/04/202

Por

Alex Brito

Ricardo Zimbrão Affonso de Paula

Em artigo anterior (29/03/2020), sugerimos alternativas para enfrentar a crise sanitária do COVID-19, por meio da política fiscal, usando dinheiro do Tesouro Nacional, para garantir o Sistema Único de Saúde e socorrer os mais vulneráveis. Neste, apresentamos como o financiamento da economia poderia ser feito pela política monetária, por meio da emissão de dinheiro, como ocorreu na crise de 2008, quando do colapso das hipotecas.

A crise bancária-financeira de 2008 foi marcada, principalmente, pelo abandono dos instrumentos convencionais de política monetária (open market, redesconto e requerimentos de reservas) e pela adoção de medidas discricionárias vultosas para impedir a queda dos preços dos ativos e a quebra dos bancos. O que fez o FED (banco central americano)? Em geral, emitiu dinheiro e comprou todos os ativos podres do sistema financeiro para prover liquidez necessária e impedir uma falência generalizada. Traduzindo em número:  antes de setembro de 2008, o valor médio do balanço do FED era de um crescimento de US$ 900 bilhões e, para conter o agravamento da crise, passou a crescer entre setembro e dezembro de 2008, a US$ 2,3 trilhões, patamar que se manteve até setembro de 2009!! À época, o presidente do FED, Bem Bernanke, havia dito, enfaticamente, que faria tudo “o que for preciso” para salvar o sistema.

Apesar de certa leniência do FED em agir, a ajuda para conter o agravamento da crise foi possível, porque bastava ao FED creditar as contas das instituições financeiras com o valor necessário (assim, comprava toda a carteira de ativos invendáveis dos bancos). Isso mesmo, criou-se dinheiro escritural nas contas das instituições e estas por sua vez emprestariam ou não ao público. Evidentemente o mercado bancário não emprestou e represou todo o dinheiro dado pelo banco central americano. Perderam com o dinheiro parado? Óbvio que não, a Reserva Federal do EUA, além de socorrer o sistema financeiro, pagou aos bancos para não emprestar, dado o risco vigente!!

O que podemos aprender, do ponto de vista da política monetária, com essa experiência? A primeira lição é que apesar do Banco Central (BC), por meio de seu Presidente, Roberto Campos Neto, ter assegurado que tem dinheiro suficiente, cerca de R$ 1,5 trilhões (e acreditem, tem mesmo) para socorrer a economia, nada garante que o sistema financeiro faça esse dinheiro chegar na ponta (às pessoas e às empresas). Por quê? A racionalidade privada é diferente da pública: quem emprestaria numa situação de crise, correndo o risco de não receber? E não adianta elevar o prêmio de risco, porque, definitivamente, a renda da economia cairá. Agora vejam: o Ministro da Economia, Paulo Guedes, também anunciou que o BC iria reduzir o compulsório dos bancos (dinheiro que os bancos são obrigados a recolher para garantir suas operações) de 25% para 17%, isso liberaria cerca de R$ 70 bilhões aos bancos. Agora considere o seguinte: parte desse compulsório ficava no BC sem remuneração alguma! Contudo, se os bancos, agora, terão aumento em suas disponibilidades financeiras, é crível supor que aportariam esses valores para uma carteira de crédito, considerando o risco e a incerteza ou remunerariam esse dinheiro com a taxa Selic a 3 ou 3,75% comprando títulos do Tesouro? Em outras palavras: emprestariam ao público, assumindo o risco e a incerteza, ou ganhariam um rendimento de 3,75% sobre um valor que tinha rendimento nulo?? Nos parece mais provável a segunda opção.

A segunda lição importante  que aprendemos com a experiência da crise de 2008 é que a política monetária se por um lado tem potencial para ajudar de maneira célere o sistema financeiro, por outro tem restrições não desprezíveis no tocante ao amparo às empresas do setor produtivo, que precisam de crédito, dada a aversão ao risco da intermediação financeira. Assim, como fazer para que a política monetária, através da emissão de dinheiro, chegue às empresas? Há dois caminhos importantes e que não foram testados ainda: o primeiro é priorizar as finTechs na oferta de crédito às empresas, principalmente as de pequeno porte. Em geral, enquanto os bancos tradicionais focam no gerenciamento de risco, as últimas estão focadas no gerenciamento da qualidade da experiência dos clientes, já que são portadoras da inovação tecnológica.

O segundo, e talvez mais importante, é inverter a lógica da intermediação financeira. Em geral o BC empresta aos bancos e os bancos emprestam (ou não) às empresas; o problema, como visto acima, é que os bancos não são obrigados a emprestar e podem usar o dinheiro para outras alocações mais rentáveis (os bancos têm liberdade para isso). No momento de crise, como a que estamos atravessando, isso é particularmente verdadeiro. Bom, então como seria essa nova lógica? Os bancos comerciais funcionariam como meros canais pelos quais o dinheiro passaria diretamente às empresas (sem nenhuma restrição). As empresas iriam às suas agências bancárias e demandariam o volume de crédito necessário (com base no faturamento mensal de suas operações, por exemplo).

Já os bancos apenas informariam ao BC o valor da operação, mas seria o próprio BC, por meio dos canais bancários, que validariam a operação financeira, iniciada pela demanda das empresas, e que cobriria todos os custos operacionais dos bancos comerciais, o funding para isso seria o mesmo oferecido pelo Roberto Campos Neto, a diferença é que esses recursos não ficariam empossados nas contas dos bancos, mas estariam na conta das empresas.

Com efeito, o risco do crédito seria totalmente mitigado, uma vez que não ficaria a cargo dos bancos comerciais, mas do próprio Banco Central, que passaria a ser, além do Banco dos bancos, o Banco da sociedade.

Publicado originalmente no Jornal O Imparcial, 05/04/2020.

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