Quando a oferta de crédito não é suficiente.

Em 03/05/2020

Por

Alex Brito

Francisco Mascarenhas Jr

O crédito disponibilizado às empresas e famílias entre meados de março e abril pelos cinco maiores bancos do sistema financeiro nacional (Itaú-Unibanco, Bradesco, Santander, Brasil e Caixa) cresceu cerca de 22% em relação ao mês de março de 2019, chegando a R$ 266 bilhões! Desse total, 66,5% representa crédito novo, o restante corresponde basicamente a renovações e prorrogações de contratos. Mas, do volume de empréstimos novos, aproximadamente 57,2% foi direcionado às grandes empresas, 9,6% às médias empresas, 11,5% às micro e pequenas empresas, 1,4% foi direcionado ao crédito rural e 20,3% às famílias.

Assim, as grandes empresas absorveram quase 60% do crédito novo (emergencial). E se considerarmos apenas o mês de março, as grandes chegam a controlar impressionantes 88% do aumento do crédito no mês de março, o que revela um quadro amplo de desigualdade no acesso ao crédito e uma vexatória concentração que expõe as micro, pequenas e médias empresas a uma enorme vulnerabilidade financeira!

Além disso, muito estranhamente, a expansão desse crédito é menor nos bancos públicos. Enquanto os bancos comerciais privados expandiram o crédito em 3,75%, os primeiros expandiram sua carteira de crédito em 2,7%, no período de fevereiro a março, o que pode demonstrar lentidão no enfrentamento a crise sanitária ou mesmo a abdicação do papel contracíclico que os bancos públicos devem cumprir, de fornecer crédito em situações generalizadas de incerteza.

Contudo, o problema não se resume à desigualdade no acesso ao crédito. Curiosamente, a demanda, por parte das pequenas empresas, pelo crédito para financiar a folha de pagamento, chegou apenas a 35% da oferta para esse tipo de modalidade. Entre algumas hipóteses para a baixa demanda dessas empresas, estão: restrições a tomadores que não conseguem apresentar uma certidão negativa de débitos (CND), aversão ao endividamento, preferência pela demissão de funcionários ou redução da jornada de trabalho, entre outros. O fato é que havia uma expectativa que a demanda por essa modalidade chegasse a 80% da oferta de crédito, dado que é a principal medida do governo federal para sustentar a liquidez de caixa dessas empresas.

Nunca é demais lembrar que essa linha de crédito foi um dos primeiros instrumentos  anunciados pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, no valor total de R$ 40 bilhões, com taxa de juros 3,75%, carência de 6 meses e  outros 36 meses para pagar, com potencial para atender cerca de 1,4 milhão de empresas e 12 milhões de trabalhadores. No entanto, até o momento atendeu apenas 0,67% dessas empresas e apenas 1% desses trabalhadores! (Até o dia 27/04).

Porém, é provável que parte dos prováveis tomadores tenham decidido não contratar essa modalidade de crédito em função da possibilidade, aberta pela MP 936, de redução de salário e jornada de trabalho por três meses ou mesmo a suspensão do contrato. Caso seja isto que esteja ocorrendo, terá se configurado uma concorrência entre dois instrumentos que, em tese, deveriam atenuar o impacto da crise. Se, de fato, as empresas estiverem optando pela citada MP, ao invés da contratação do crédito, é muito provável que o impacto sobre a demanda efetiva seja ainda menor, dada a redução da massa de salário dos trabalhadores e o aumento do desemprego.

Talvez tenha havido erro no desenho de políticas adequadas para mitigar o impacto nas pequenas empresas. É estranho que os policymakers que desenham essas políticas, no Ministério da Economia, “não conheçam”, de fato, o mercado, a ponto de promover políticas concorrentes que acabam fragilizando o que deveriam fortalecer. Nessas situações não adianta prover liquidez se o dinheiro não irá chegar na ponta, seja pela enorme concentração e desigualdade no acesso, ou porque as políticas elaboradas produzem sinais equivocados.

Publicado originalmente no Jornal O Imparcial, 03/05/2020.

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