Em 07/11/2021
Por
Alex Brito
Desde 1999, talvez, essas expressões, que dão título a este artigo, passaram a ser usadas como sinônimos. E, por outro lado, vocábulos, como “carestia”, deixaram de ser comuns para expressar as condições de privação que, vez por outra, somos submetidos pelas oscilações do ciclo econômico. O fato é que o recrudescimento das condições de vida, ou, para usar uma expressão antiga, qualquer aperto no “nó da carestia”, prontamente chamamos de inflação, fenômeno oficialmente medido pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo); sigla que ganhou enorme destaque, principalmente pelos aumentos de preços provocados pelo petróleo e pelo câmbio nesses tempos de pandemia.
Acontece, porém, que essas expressões não são semelhantes. E não se trata de mera questão semântica. Fosse isso, não teríamos, de fato, nenhum problema, já que, indubitavelmente, todos entendem o significado de quando alguém afirma que a inflação está alta. Mas a questão, de fato, são as graves consequências políticas, essas, não tão óbvias, desse precário consenso estabelecido. Para entendermos bem, vamos seguir a seguinte linha de raciocínio.
A economia convencional define inflação como um fenômeno estritamente monetário a partir de um processo persistente e generalizado de alta dos preços. Da definição é importante observarmos três aspectos: o primeiro é que se a inflação é um fenômeno monetário, então, por definição, não haveria que se falar de “inflação do limão”, “inflação do petróleo”, “do leite”, “da energia elétrica”, “dos alimentos” e tantas outras expressões usadas pelos canais de comunicação. E a razão é simples: todos são fenômenos reais (da esfera da produção), portanto, não monetários. Bom, então não existe variação de preços provocada por alterações de custos, ou por quebras de safras, (fenômenos reais), etc? Sim, existe! Fenômenos reais provocam alterações nos preços relativos. Mas isso, não é inflação! Ou seja, inflação não é qualquer aumento de preços, pelo menos não na economia padrão. E aí chegamos aos outros dois aspectos: o aumento de preços, além de provocado por perturbações monetária, precisa ser “persistente” e “generalizado”.
Assim, “choques” de preços como os provocados por câmbio, comodities, alimentos etc. (os que estamos vivenciando atualmente) não podem ser considerados como inflação, por não apresentarem persistência no tempo, ou seja são ocorrências conjunturais, por isso chamados de “choques”. Um exemplo, para ser mais claro: não é coerente que acreditemos que em todos os anos ou meses, regularmente, haverá quebras de safras. Se assim o fosse, poderíamos chamar de inflação os aumentos de preços daí decorrentes. Mas embora elas ocorram, não são contumazes.
Não à toa, o BACEN (Banco Central) ao definir o “core inflation” (núcleo da inflação), expurga do IPCA, os grupos de preços de bens e serviços vinculados aos alimentos e à energia, por serem os mais suscetíveis a choques ou oscilações conjunturais. A propósito, em geral os índices de preços ao consumidor, que servem para medir a inflação, de boa parte dos países, como o dos Estados Unidos, não contemplam esses últimos grupos de preços, exatamente pelas mesmas razões.
O último aspecto que caracteriza uma inflação é saber se, além de persistente, o processo de alta dos preços é generalizado. Para isso o BACEN também calcula a difusão dos preços, que é justamente o percentual de bens e serviços que tiveram alta no período. Para o Brasil, a partir de 2018, a difusão só começa a aumentar a partir do segundo semestre de 2020, saindo de 50% e chegando a 70% já no final desse mesmo ano. No caso de São Luís, para o mesmo período, a difusão dos preços não ultrapassou os 55%, chegando inclusive ao patamar de 40% (uma alta de preço generalizada seria acima de 50%, bem acima), apresentando, nos últimos dois anos a mesma tendência nacional, embora num patamar muito mais baixo.
Evidentemente, não há que se falar de inflação no Brasil, por mais estranho que isso pareça. O que estamos atravessando é um choque severo sobre as condições de vida, que vem ameaçando implacavelmente a nossa reprodução e existência, enquanto sujeitos de direito. E daí surge a implicação política a que fizemos referência acima. Inflação e Carestia se combatem com políticas econômicas distintas. Inflação, pelo atual modelo de política econômica, se combate com juros, mas a carestia não!! Esta deve ser enfrentada com a mudança da política de preços da PETROBRÁS, já que cerca de 60% do IPCA é decorrente dos impactos dos combustíveis. Carestia também se combate com estoques reguladores, que, aliás, estão no menor nível histórico, desde o governo Temer.
Chamar a carestia, decorrente dos choques de preços, de inflação contribui para legitimar a política de elevação da taxa de juros. No entanto, o aumento dos juros não combate a carestia, pelo contrário, dilacera as nossas condições de vida. E por que a insistência com o ajuste via taxa de juros? Talvez porque a taxa de juros garante aos que tem posições compradas na bolsa de valores (renda variável), ou seja, os que estão vendo suas aplicações derreterem, uma migração pacífica e “legítima” para o porto seguro da “boa e velha renda fixa” (o mercado de títulos públicos). Sim, é isso mesmo: o consenso formado pelo governo de que isso que está à solta é uma inflação garante a proteção necessária à riqueza financeira dos mais aquinhoados. Assim, à medida que a variável privilegiada do ajuste econômico, continua sendo a taxa de juros, a riqueza financeira de alguns é protegida à custa do empobrecimento de outros.
Publicado originalmente no Jornal O Imparcial – Cad. Opinião, pág. 5, São Luís, 6 e 7 de novembro de 2021. https://banca.oimparcial.com.br/oimparcial/2021/11/46582/